Há dez anos, Carmem Célia Souza trabalha com a atividade de quebrar a casca do cacau para separar as amêndoas que serão aproveitadas. É por meio da atividade que ela e a família sobrevivem e mantêm em dia as despesas de casa. A trabalhadora, que vive em Altamira, no sudeste do Pará, faz parte de um segmento que gerou, no ano passado, mais de 400 mil empregos diretos e indiretos em território paraense, conforme dados sistematizados pelo Núcleo de Planejamento e Estatísticas da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap).
Em todo o Estado, o segmento cacaueiro gerou 320.360 empregos diretos e 80.090 indiretos, no ano passado. O levantamento da Sedap – que utilizou como fonte os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) e da Comissão do Plano Executivo da Lavoura Cacaueira (Ceplac), mostra, ainda, que o número de cacauicultores no Pará chegou a quase 33 mil (mais precisamente, 32.700).
Para a trabalhadora Carmen Souza, fazer parte de uma cadeia tão relevante como a do cacau é muito importante, não só por questões econômicas como também culturais, já que ela convive diariamente com uma fruta que já se tornou praticamente símbolo da Transamazônica (rodovia BR-230, que se estende ao longo dos municípios polos na produção de cacau, como é o caso de Altamira). Com um facão, ela faz a separação das sementes e da polpa. Por dia, segundo informou, juntamente com o grupo contratado pelo proprietário do sítio onde atua, chega a encher 100 latas com amêndoas de cacau. “O cacau é nosso meio de sobrevivência, a gente aprendeu com a prática mesmo, desde cedo”, disse.
Produtor- Na outra ponta da atividade cacaueira está o produtor. Entre os mais de 32 mil identificados em solo paraense, está Moisés Covre, cuja propriedade de 140 hectares está situada no Km-8 da BR-230 (no sentido Altamira-Anapu). São 25 mil pés de cacau plantados em Sistema Agroflorestal (SAF) – quando o cacau é cultivado junto com outras espécies para sombreamento, como é o caso do açaí, como informou o proprietário. Segundo ele, são sete mil pés de cacau plantados em conjunto com o açaí.
O cultivo do cacau foi uma herança deixada pelo pai de Moisés, que iniciou a atividade em Altamira, em 2006. “Continuamos o legado do meu pai. É um ótimo negócio. Antes, fazíamos para pagar despesas, mas agora melhorou bastante”, observou. Ele explica que não enfrenta dificuldades com o recrutamento de mão de obra e que segue o mesmo sistema adotado pelo pai, com funcionários contratados, que recebem pelos serviços. “Não usamos o meeiro, mas funcionário. Não temos dificuldades em conseguir mão de obra, pois fica pertinho da pista, bem localizado, o que facilita”, observa.
O Pará registra um produtor para cada cinco hectares de área cultivada com cacau, conforme informou o estatístico e professor Ulisses Barata Silva, responsável pelo levantamento do Nuplan da Sedap. Esse indicador, por sua consistência e representatividade na dinâmica produtiva regional, foi extrapolado para os demais Estados da Amazônia Legal com produção cacaueira, permitindo estimativas agregadas de ocupação produtiva e subsidiando análises comparativas da estrutura fundiária e do perfil socioeconômico dos produtores na região.
Segundo Silva, a extrapolação se justifica pela elevada participação do Pará na produção regional — em torno de 95% — e pela ausência de dados estruturais detalhados nos demais Estados, configurando-se como aproximação válida para fins analíticos preliminares. Entre 2022 e 2024, observa-se uma expansão gradual da cacauicultura na Amazônia Legal, impulsionada sobretudo pelo desempenho paraense: a área colhida no Estado passou de 152.837 hectares em 2022 para 163.405 hectares em 2024, representando um crescimento acumulado de 6,91%. Em 2024, a produção de cacau registrou um volume de 137.455 mil toneladas, com rendimento médio da produção (kg/ha) de 841 kg/ha, segundo explicou a coordenadora do Núcleo de Planejamento e Estatísticas da Sedap, Maria de Lourdes Minssen.
“Esse comportamento reforça a importância da cacauicultura como vetor de ocupação produtiva e geração de renda na região, sobretudo entre pequenos produtores que operam em sistemas agroflorestais”, analisa a coordenadora do Nuplan da Sedap.
Gerador de emprego e renda
Por ser feita ainda manualmente, a cadeia produtiva do cacau no Pará é uma importante geradora de emprego, como avaliou o coordenador do Procacau da Sedap, Ivaldo Santana. Dos mais de 320 mil empregos diretos – como é o caso da atividade de quebrar a casca do cacau ou de cuidar diretamente da lavoura – há os mais de 80 mil indiretos, que atuam em atividades como o comércio de adubos, o sistema de irrigação e o transporte. “É uma cadeia que alavanca a questão do emprego no campo. Isso é muito importante para o nosso Estado e para a produção de cacau. A tendência é só crescer. Atualmente, há muita procura por semente, em função do preço do cacau, que está na faixa de R$ 40 a R$ 45 o quilo. Esse preço triplicou quando se compara com uns três ou quatro anos atrás. Tem muito produtor procurando áreas e sementes para plantar cacau”, observou Santana.
Todos os anos, se incorporam à cadeia em torno de mil novos produtores e uma média de 8 mil a 10 mil novos hectares, segundo informou o coordenador do Procacau. “Esse preço vai permanecer por mais alguns anos e essa cadeia vai crescer mais ainda no nosso Estado”, estimou Santana.
Importância das parcerias
A partir de dados consolidados por instituições como a Sedap, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), foi possível estimar o número total de produtores e empregos gerados na cacauicultura paraense com base em dados do IBGE e Produção Agrícola Municipal (PAM).
Na Transamazônica, a Ceplac é o órgão do governo federal, ligado ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), responsável por acompanhar a cultura do cacau (assistência, orientação técnica e pesquisa) e áreas produtivas como a de Moisés Covre.
O órgão tem uma estação experimental em Medicilândia, que produz sementes híbridas de cacau. O agente de atividades agropecuárias da Ceplac na Transamazônica, Alino Zavarise Bis, disse que as sementes são distribuídas gratuitamente aos produtores, o que acaba impactando, também, na geração de empregos. A instituição federal, como ressaltou, tem uma forte parceria com a Sedap. “O governo do Estado nos ajuda muito na produção de sementes híbridas para serem distribuídas aos produtores; 80% do cacau implantado na Transamazônica são de sementes híbridas oriundas da Ceplac e a região é responsável por 85% da produção de cacau do estado do Pará”, explicou.
Segundo Alino, o chocolate da Transamazônica tem um maior tor de gordura e maior ponto de fusão, porque é feito a partir de um cacau fruto de mistura de variedades diferentes de material genético. “São características intrínsecas, que as indústrias dão o maior valor. Como nós estamos na linha do Equador, com maior incidência do raio solar, faz com que a planta produza mais e produza essas características com esse diferencial”, disse.
Cacau em números* dados alusivos ao ano de 2024 (Estado do Pará)