Inaugurado em janeiro de 2023, por ocasião do aniversário de 407 anos da fundação de Belém, o Parque Cemitério Soledade ou simplesmente Cemitério de Nossa Senhora da Soledade, localizado no centro da capital paraense,avançou mais uma etapa do projeto de restauraçãodos bens da chamada arquitetura mortuária – que reúne o acervo das sepulturas e mausoléus erguidos durante o funcionamento do local entre os anos de 1850 a 1880.
Na primeira etapa,já foram restaurados os túmulos e mausoléus mais visitados, como o do general Gurjão, herói de guerra; o de Preta Domingas, mulher escravizada; e o do menino Zezinho, considerado santo pela devoção popular.
O projeto de restauração é desenvolvido pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp), Governo do Estado do Pará e Prefeitura de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Semcult). O cemitério Nossa Senhora da Soledade é tombado pelo Iphan comopatrimônio arquitetônico, urbanístico e paisagístico da capital paraensedesde 1964 e pelo município, conforme lei 7794, de 18 de maio de 1994.
Antes do projeto de restauração o espaço sofria com abandono e risco de desabamento.
O Parque Cemitério Soledade deverá compor o conjunto arquitetônico de memórias de Belém, que conta com monumentos icônicos como Palácio Antônio Lemos, Palacete Francisco Bolonha, Mercado de São Brás e igrejas – como a de Nossa Senhora das Mercês, no conjunto dos Mercedários e a Capela Pombo, no centro comercial, que também estão sendo restauradas.
A previsão é que esse cenário histórico esteja pronto para ser visitado como ambientes turísticos, durante e após a Conferência Climática Mundial (COP-30), marcada para o mês de novembro, em Belém.
As obras no Soledade estão avançando à segunda fase, quandomais de uma dezena de túmulos e mausoléus deverão ser entregues totalmente restauradosno âmbito do convênio entre a Universidade Federal do Pará e o Ipah. Na manhã da última quarta-feira, 23, o coordenador do projeto de restauração da UFPA, professor Alexandre Loureiro, acompanhado do arquiteto do Iphan, Geovani Blanco e dos arquitetos Jorge Pina e Tânia Moraes, do Departamento do Patrimônio Histórico da Semcult, visitaram o cemitério e conferiram o andamento das obras.
Segundo Alexandre Loureiro, a Universidade deverá agendar uma data para fazer a entrega oficial dos trabalhos. “Estamos organizando para o mês de agosto, durante a Semana do Patrimônio, mas ainda não fechamos por completo essa agenda”, adiantou.
A primeira etapa do projeto de restauração já foi finalizada e alguns mausoléus e túmulos já estão recebendo uma segunda restauração e limpeza. O túmulo da Preta Domingas, é um dos exemplos. O local sofreu avarias motivadas pelo calor das velas acesas pelos devotos. O mesmo ocorre no túmulo do menino Zezinho, criança falecida em 13 de fevereiro de 1891, sendo considerado um santo pelos devotos que mantêm o hábito de acender velas em pedidos especiais à criança.
“Outros ainda tentam vestir o menino, o que não é permitido”, diz o professor Alexandre Loureiro. O túmulo recebeu uma rede de proteção para evitar novos contatos mais diretos com o público. “Não podemos impedir por se tratar de religiosidade, mas estamos tentando disciplinar essas visitas para não comprometer o trabalho de restauração”, completa o professor.
Entre os mausoléus, a maioria localizada no corredor central do Parque Cemitério Soledade, como o do general Hilário Maximiano Antunes Gurjão e o do cônego Manoel José de Siqueira Mendes, já estão restaurados. O jazigo de Cecília Augusta de A. Chermont, carinhosamente chamada de Princesa Cecília por frequentadores do cemitério, também está sendo finalizado.
“Esse jazigo da família Chermont que nós estamos finalizando ficará bonito para Princesa Cecília”, disse a arquiteta e restauradora da UFPA Flávia Palácios.
De acordo com o arquiteto Geovani Blanco, responsável pela fiscalização da execução do convênio da segunda etapa das obras de restauração, o local está dentro da prerrogativa do Iphan que enquadra o cemitério na tipologia de “campo santo”, no qual estão embutidas as questões religiosas, paisagísticas e arquitetônicas expressas nas sepulturas e mausoléus.
“A composição arbórea também é relevante e tornou-se evidente durante a reforma ocorrida no local no início do século XX, quando não havia mais enterramentos regulares”, destacou o arquiteto. O projeto de criação do Parque Cemitério Soledade era uma antiga proposta de ativistas da preservação do patrimônio, memória, além da inserção social do espaço.
A capela do Parque Cemitério Soledade também passará por restauração. Segundo Alexandre Loureiro, os serviços foram iniciados com a meta de descobrir a cor original do local, que durante a primeira fase do projeto foi adaptada para receber o público. O local está vinculado à paróquia da Santíssima Trindade, que realiza novenas em sufrágio das almas todas as segundas-feiras, às 17h.
Os demais espaços do parque que o público pode contemplar são o campanário, os túmulos de quatro irmandades religiosas, além do cruzeiro. Vale ressaltar ainda que o cemitério de Nossa Senhora da Soledade é umespaço único de memória de Belém, pois, foi criado na concepção de cemitérios monumentais com jazigos e túmulos escolhidos em catálogos pelas famílias ricas de Belém entre os séculos XIX e XX. Nas lápides ainda é possível ler o português arcaico em mensagens de amor, carinho e devoção àquele familiar ali eternizado.
“As peças de túmulos e mausoléus são em lioz, pedra em calcário de origem portuguesa, que eram importadas da Europa para Belém; então, é uma riqueza arquitetônica que nós estamos entregando nesse espaço de história e memória de Belém”, disse o coordenador do projeto de restauração, Alexandre Loureiro, que é professor da Faculdade de Conservação e Restauro da UFPA e pesquisador do Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação (Lacore) da instituição, além do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Patrimônio Cultural (PPGPatri).