Mais de 300 pessoas, entre estudantes, professores, representantes de órgãos públicos e moradores do bairro da Condor, em Belém,caminharam juntas por uma causa urgente: o combate à violência sexual contra crianças e adolescentes. ACaminhada Educativa "Faça Bonito", promovida na manhã desta sexta-feira (16) pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdac), reuniu escolas da rede pública municipal e estadual, instituições sociais e lideranças comunitárias.
Oponto de partida foi a Escola Municipal Antônio Carvalho Brasil, que há dois anos integra o movimento. Com cartazes, músicas e falas emocionadas, os participantes foram em direção à Escola Estadual Maria Antônia Paes da Silva, destino final da caminhada, dando visibilidade a uma realidade que ainda assombra muitas famílias. A ação faz parte dacampanha nacional “Faça Bonito. Proteja nossas crianças e adolescentes”, e se soma às atividades doDia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, celebrado em 18 de maio.
A violência sexual infantojuvenil ainda é, na maioria dos casos, silenciosa e ocorre dentro de casa. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, 86,1% dos agressores de crianças de até 13 anos são conhecidos das vítimas, muitas vezes membros da própria família. Além disso, 68,3% dos casos registrados de estupro ou estupro de vulnerável ocorrem na residência da vítima.
Entre os participantes da caminhada, histórias reais dão força à mobilização. A vendedora de refeições Mary Matos, mãe da aluna Heloísa Matos, de 5 anos, levou a filha pela primeira vez à caminhada. "É muito bom, porque ela está aprendendo que não deve deixar ninguém tocar nela, e sabe que deve contar para a gente. É muito importante. Ela já entende agora que ela precisa falar", disse Mary.
A ação também faz parte doprojeto escolar que visa capacitar educadores e famílias para identificar sinais de abusoe fortalecer estratégias de prevenção. Segundo Beatriz Morrone, secretária executiva pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia (Semec), o papel da escola é central nesse processo.
“As escolas são, muitas vezes, os primeiros espaços a identificar sinais de violência. Nossos educadores são multiplicadores de conhecimento e proteção.A Semec tem protocolos para acolher, registrar e encaminhar denúncias com o devido cuidado”, afirmou.
Diego Martins, mestre em segurança pública e coordenador do grupo de voluntários Futuro Brilhante, explicou como as ações vêm sendo levadas às escolas de forma contínua. “Todo mês estamos nas escolas com atividades lúdicas e rodas de conversa. Trabalhamos com as crianças a nomeação correta das partes do corpo, os limites e a ideia do adulto de confiança. Com os pais, mostramos sinais que a criança pode apresentar quando sofre abuso e como agir para protegê-las”, afirmou.
Para Áurea Oliveira, diretora da escola Antônio Carvalho Brasil, esse tipo de mobilização é um alerta à responsabilidade coletiva. “Desde 2023 participamos dessa caminhada. É importante mostrar para nossas crianças o que é certo, o que não pode acontecer e, principalmente, que elas não estão sozinhas. Precisamos incentivar que falem, que peçam ajuda. O silêncio é o que mais protege o agressor”, destacou.
O presidente do Comdac e do Instituto Pedro Vieira, Miller Maia Vieira, ressaltou a importância de integrar comunidade, poder público e instituições no enfrentamento à violência sexual. “É com ações como essa que conseguimos transformar uma pauta difícil em compromisso coletivo. Não é um problema privado. É uma ferida social que só será curada com informação, escuta e ação”, disse.
A programação contou ainda com apresentações culturais de alunos e artistas locais, além dadistribuição de materiais informativoscom apoio da Fundação Papa João XXIII (Funpapa). As atividades buscam sensibilizar não só os estudantes, mas toda a comunidade sobre a importância da denúncia e da rede de proteção às crianças e adolescentes.
A campanha “Faça Bonito” reforça quequalquer pessoa pode e deve denunciar casosde abuso e exploração sexual infantil. ODisque 100, canal nacional gratuito e sigiloso, recebeu mais de 18 mil denúncias em 2023. No Pará, foram mais de 2 mil notificações, segundo os ministérios dos Direitos Humanos e da Saúde.
A flor amarela, símbolo da campanha, representa a fragilidade e, ao mesmo tempo, a necessidade de cuidado com a infância. Ao fim da caminhada,centenas de flores feitas de papel foram distribuídas pelas ruas do bairro da Condor, como um lembrete de que proteger a infância é responsabilidade de todos.